Um Cinema para Chamar de Seu (Parte 2)
- Blog Rochedo
- 14 de mar.
- 3 min de leitura
por Hernani Heffner
... e a (o)...
Cidades do interior têm outra relação com o tempo. Em um país que concentra mais de 85% da população em uma faixa litorânea de pouco mais de 200km, como o Brasil, avançar pelo território adentro costuma trazer surpresas e aventuras. As aventuras se relacionam com o desconhecido, o caminhar por uma geografia diferente, entrar em contato com hábitos e costumes que insistem em uma sociabilidade espontânea. Não que não reservem para si a espontaneidade mais fraterna, ou desconheçam o mundo digital à volta de tudo. Simplesmente praticam a vida pública como um valor ainda precioso. Por isso guardam não só pra si o que vai saindo de cena para entrar na moldura do tempo. Por isso andar por uma cidade do interior requer disposição, atenção, conversa e sorte para encontrar as pequenas surpresas, colocadas a um canto. Não estão esquecidas, mas não serão colocadas em um altar, redoma de cristal ou sob os holofotes da vaidade. O visitante tem que pensar e agir como Indiana Jones diante do enigma do cálice de Cristo: joia rara de ouro, cravejada de pedras preciosas, ou um simples copo de madeira comum, compatível com as habilidades de um carpinteiro comum? O tempo não é a simples passagem das horas, o apreciar, ou apenas a observação direta da superfície das coisas, a intelecção, mas pressupõe um quedar-se, um sentir, um imaginar os objetos para além de sua materialidade imediata. Pressupõe matutar o que se esconde por detrás deles, sua configuração e o que está além dela. Requer mergulhar na história, mas também conceber seus prolongamentos, desdobramentos, reinvenções para frente, para o futuro. O verdadeiro viajante pode aprender e praticar alguma coisa com essa outra noção de tempo. Hoje escreveremos apenas sobre substâncias afetivas em forma de objetos, sobre o pequeno sempre em mutação.
Cidades do interior costumam comerciar um tempo “passado”, o outrora turístico, mas não é disso que estamos falando. A experiência pode ser outra, mais adequada ao tempo como vida. Ao jardim como exemplo mais acabado de construção da noção de tempo. Qualquer jardim organiza em certa medida e de certa forma diferenças, ou seja texturas, desenhos, movimentos e tons de cor distintos, de perto e de longe, em parte ou como um “todo”. O jardineiro pode introduzir árvores que deixam cair as folhas, sinal de impermanência, e também musgos, que parecem nunca se alterar – pelo menos não na escala humana -, criando um cenário em que um está ao lado do outro. Escolher, fazer a parataxe, justapor é o verdadeiro desafio, seja na sala de visita ou no quintal abandonado, na praça pública ou na sala de exposição de um museu. Por isso, o jardim seria a mais alta forma de arte. Por isso artistas cultivam jardins, como Frida Kahlo ou Claude Monet, com este último dedicando sua produção final ao próprio jardim, o famoso Le Clos Normand, em Giverny, um dos destinos turísticos não parisienses mais conhecidos da França.
Mas cuidado, jardins pessoais são “selvagens”, não são organizados para a vista e sim para a vida, como o da Adriana Consentino, no Hotel Rochedo. Assim, retêm a verdadeira natureza das coisas. Jardins “perfeitos” como os japoneses, em seu ápice e já distanciados da origem chinesa, aspiram em verdade ao vazio, à ascese, ao mergulho interior, e não à percepção do mundo. Eliminam as texturas, as incongruências, a paleta de cor, a passagem do tempo, ao máximo. Os originais, em sua aparente desarrumação, convidam ao passeio, ao exame, à sensação, ao desfrute, o resto é conosco. Os jardins chineses antigos permitem de fato, que se encontre em meio ao terreno, um ou outro elemento, uma ou outra flor, uma ou outra cor, uma ou outra textura. Jardin chineses são hedonistas, sensuais, inacabados, e portanto contingentes (temporais) por definição. Como não há organização, tudo depende do visitante.
Essas poucas palavras do jardim da literatura cotidiana, são para introduzir duas imagens e a crônica que virá daqui uns quinze dias (sejamos imprecisos como os jardins). A primeira é esta aqui:

E a segunda esta aqui:

Como passear pelo museu de projetores de cinema de Ivo Raposo Júnior, localizado no Rancho Centímetro, em Conservatória, e descobrir verdadeiramente uma ou outra peça? Como passear por um museu ao redor do mundo, ou visitar um sítio de internet - https://www.isabellaraposo.com/ - e se surpreender com um dos objetos sonho, obras de arte inspiradas nas máquinas de projeção, criados pela filha do Ivo? Comentários no próximo blog.
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